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Ana Firmino

No âmbito do Dia da Mulher Cabo-verdiana, celebrada a 27 de Março, a Diáspora MS homenageia todas as mulheres, em especial as crioulas da Margem Sul. Nesse propósito, propõe dar a conhecer o trabalho de três Divas “crioulas” da nossa comunidade: uma Cantora, uma Artista de Artes e Saberes e uma Atleta de Andebol.”


A nossa Diva, a cantora Ana Firmino, vai buscar a sua veia artística no seio da menina extrovertida que já no colégio de freiras, em Alvalade, fazia parte de tudo que soubesse beber da arte do canto, da dança e do teatro. ”

Do crioulo da terra que a viu nascer, praticamente, já não sabia falar, só entendia. Quando, ainda na adolescência, se viu renascer no seio da sua própria comunidade (mais não fosse culturalmente), feito corpo e alma na morna e na coladeira, tomou-lhe gosto acrescido. Da menina iniciada nas artes da cantaria pelo encanto do fado (que continua a apreciar), viria a nascer uma das vozes femininas com nome inscrito na história das cantoras cabo-verdianas.


Dentro de uma pontualidade que nem sempre fez parte do universo crioulo, o Café Oásis, no centro do Laranjeiro, foi o local escolhido para a entrevista com a nossa Diva. Feito os devidos cumprimentos de pessoas que se conhecem há algum tempo, surgia a primeira pergunta.

Corsa Fortes: Sendo a Ana uma cantora muito conhecida na nossa comunidade, o que desobriga apresentações, gostaria que nos desse a conhecer a motivação, ou as motivações, que a levaram a envergar pelo mundo das mornas e coladeiras. Onde foi a Ana buscar a sua veia artística?

Ana Firmino: Da parte do meu pai havia tocadores. Antigamente o termo era depreciativo (relembra Ana). Quando vim para cá (Portugal) fui para um colégio de freiras, como interna, em Alvalade. Não convivia com cabo-verdianos e nem falava crioulo. Cabo verde, para mim, era a terra onde eu tinha nascido e não passava disso. Sobre a veia artística, acredito que tudo tenha sido uma coisa natural. Já no colégio era muito extrovertida, fazia parte de tudo… do grupo de dança, do grupo de teatro e do coro da igreja; uma grande escola, sem dúvida.

Só conheci a minha cabo-verdianidade já adolescente, nos meus quinze anos, mais ou menos. Havia o lar dos estudantes ultramarinos, na Calçada de Santa Quitéria e o meu irmão mais velho era frequentador. Com ele, eu comecei a ir às festas e aos convívios, onde não faltava música e a lidar com o pessoal de Cabo Verde. Aliás, foi ali que conheci o meu marido. E hoje ninguém diz que eu não tive criação cabo-verdiana. Nessa altura, eu entendia, mas não sabia falar crioulo. Constantemente tinha de perguntar (às escondidas) o que queria dizer certas expressões. Certa vez, convidaram-me uma botchada (maranho ou bucho em português) e eu, inocentemente, perguntei em voz alta o que era isso. Seguiram-se risadas de boca cheia, como deves imaginar. Mas a partir dessa altura fiquei cabo-verdiana a cem porcento.



Corsa Fortes: Então podemos afirmar que tu fostes parida uma segunda vez, mais não fosse, culturalmente?

Ana Firmino: Exatamente. Nasci em cabo verde, mas a cultura cabo-verdiana veio mais tarde. Mas não sou a única.

Corsa Fortes: Tens memórias do momento em que tomastes consciência que a arte de cantar era a sério e iria marcar a tua vida?

Ana Firmino: Comecei sem nunca pensar que um dia seria cantora profissional! A minha grande ambição, enquanto jovem, era ser relações públicas. Como deves calcular, eu comecei a cantar fados e não mornas e coladeiras. Antes, a única coisa cabo-verdiana que eu cantava era ” Terezinha dnher d’Angola já cabá”.

Eu fiz um curso de receção de turismo no Hotel Porto Grande, em S. Vicente (depois de casada), e no encerramento do curso fizemos um espetáculo onde cantei mornas e dois fados. No fim do espetáculo, o Secretário de Estado do Turismo convidou-me para cantar na inauguração do Hotel Praia Mar, na Cidade da Praia, isto há trinta e oito anos.

Fui muito bem acompanhada musicalmente por Natal, Franck Cavaquim e Luis Morais… Foi um bom espetáculo e o primeiro cheio de responsabilidades.  Em casa, comecei a pensar e tomei consciência que tinha algum valor enquanto cantora. A partir desse espetáculo, as coisas começaram a sucederem-se.

Corsa Fortes: Sinto a curiosidade de saber se a atuação foi profissional, no sentido de ter havido cachê para a cantora?

Ana Firmino: Sim. Foi uma coisa profissional, com tudo pago: deslocação, estadia e cachê. Foi importante, não pelo dinheiro (que já nem me lembro da quantia), mas sim, pela responsabilidade.



Corsa Fortes: Na altura do vinil, a gravação de um disco era, para o grande público, a consagração do artista. O que é que tens a dizer sobre isso?

Ana Firmino: Eu não concordo que o profissionalismo (encarado como qualidade artística) dependa da carteira profissional, que por acaso tenho, ou do facto de se ter gravado, ou não, um disco. Conheço vários artistas, com provas dadas, que ainda não gravaram as suas vozes. Mas, na verdade, nessa altura, pensava-se assim.

Corsa Fortes: Fala-nos sobre a tua primeira obra gravada para o grande público.

Ana Firmino: Carta de Nhã Cretcheu foi o meu primeiro trabalho gravado, em vinil, nos finais dos anos oitenta. Foi preparado cuidadosamente, um trabalho comercial, totalmente acústico, com bons músicos e muito bem aceite, graças a Deus. Tenho pena que não tenham feito mais reedições.


Corsa Fortes: Em relação ao teu   filho rapper,  o que é que achas que ele bebeu da mãe cantora e do pai pintor?

Ana Firmino: O meu filho teve um infância muito diferente da minha, nasceu no meio da música (do mundo). Os meus filhos sempre me acompanharam em tudo que fosse espetáculo. O backstage, para eles, não é tabu. Os meus irmãos, mais novos, gostavam de Reggae e o meu marido, apesar de não ser músico profissional, também toca; foi com ele que fiz os meus primeiros ensaios. O meu filho  teve onde beber.



Corsa Fortes: Na Margem Sul, apesar de termos duas associações e vários bares onde não faltam tocatinas, não temos acesso a salas de espetáculos que permitam cumprir artisticamente a nossa cabo-verdianidade. O que é que tens a dizer sobre isso?

Ana Firmino: Eu sempre vivi em Lisboa e quando pensei vir morar para o Miratejo, as pessoas diziam que isto não prestava. Este nosso convívio, que não troco por nada, lembra-me (no bom sentido) o fado vadio que se pode ouvir em qualquer sítio. Na Margem Sul, temos muitos locais onde se pode ouvir musica: o Djosa, a Mádá, a Nani, a Mafalda, o Café Cabo Verde, entre outros. Mas tens razão, uma verdadeira sala para realizarmos um espetáculo (com cabeça, tronco e membros), não temos. Precisávamos de um espaço tipo “Beleza”.



Da minha parte, tenho a dizer que já tive a oportunidade de ver a Ana atuar em tocatinas, em espetáculos comunitários e em Grandes Palcos. Nas Tocatinas de roda de amigos, para além das mornas e coladeiras, a Ana mostrou ser uma ótima contadora de “partidas” (anedotas em jeito de crioulo). Em espetáculos comunitários, na Quinta da Princesa e na Arrentela, tive o privilégio de ver a nossa Diva se construir Senhora talhada para comunicar com o público que sente a música de cabo verde como um todo inerente. Mas, foi no Auditório Municipal do Fórum Cultural do Seixal, acompanhada por uma banda de grandes músicos que tive o privilegio de beber do à-vontade e da postura com que a nossa cantora foi ganhando status na sua performance musical. Frente a uma plateia, maioritariamente lusa, a Ana Firmino, feita voz e gestos em tom de melodia, encheu-me de orgulho acrescido e vaidade contida. E foi desse engenho, que no íntimo da minha “crioulidade”, a nossa Cantora era inscrita Diva Merecedora dos Palcos Cabo-verdianos. E assim como ela, aguardo uma reedição da obra, Carta de Nhã Cretcheu. Muito Obrigado Ana.

Corsa Fortes, 23 de Março de 2017



2 comentários

  1. Rosete Modesto diz:

    Gostei. Sendo amiga de longa data da Ana Firmino, a quem conheci através do Toy Firmino, sempre prezei à sua boa disposição contagiante. Obrigado Corsa, porque conhecendo a Ana como conheço, não sabia que essa menina extrovertida veio de um convento de freiras, o que não combina nada com ela.

  2. Bia Fortes diz:

    A nossa Diva da margem sul esteve bem representada! Parabéns Corsa, pelo excelente trabalho. E de continuar!

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