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Judite Paris

No âmbito do Dia da Mulher Cabo-verdiana, celebrada a 27 de Março, a Diáspora MS homenageia todas as mulheres, em especial as crioulas da Margem Sul. Nesse propósito, propõe dar a conhecer o trabalho de três Divas “crioulas” da nossa comunidade: uma Cantora, uma Artista de Artes e Saberes e uma Atleta de Andebol.”


A nossa Diva, a Atleta Judite Paris, faz parte do núcleo de pessoas cuja postura se denota acrescida tanto no íntimo pessoal, como na modéstia e na relação com os outros. Mediante uma inegável realização pessoal, também sentida como bandeira de inclusão, a Diva do desporto fez da prática do andebol uma partilha generalizada e luta em prol da igualdade de géneros. Chegou a vestir as cores da seleção portuguesa e, do esforço deste desporto de pessoas inteligentes, formado escola de vida, foi buscar a sua postura de cidadã ciente dos seus direitos e deveres.


A esplanada do Café Batikanos, no centro de Almada, foi o local escolhido para a entrevista com a nossa Diva Judite.

Corsa Fortes: Antes mais, quem é Judite Paris e onde nasceu?

Judite Paris: Nasci em Cabo Verde e vim para Portugal com 6 meses. Vivo na Margem Sul, em Almada, e só conheço a minha terra de férias. Já fui a Cabo Verde varias vezes, mas há muito tempo que não vou.

Corsa Fortes: Sei que tens um irmão que também julgou andebol. O que é que tens a dizer sobre a motivação, ou motivações, que te levaram a ser uma jogadora de andebol?

Judite Paris: Comecei a fazer desporto aos cinco anos de idade, a minha mãe colocou-nos na ginástica desde muito cedo. Eu fiz judo, atletismo, futebol de salão e dança. Mas optei pelo andebol, muito por causa do meu irmão, cujos jogos eu assistia frequentemente. Algo ficou no sangue.

Corsa Fortes: Fala-nos sobre teu percurso na pratica do andebol, desde o escalão inicial?

Judite Paris: Na altura, iniciava-se nos juvenis, mas hoje existe minis, bâmbis, iniciados, juvenis, juniores e seniores. Eu iniciei nos juvenis, aos 11 de idade, e joguei até aos 33.

Corsa Fortes: Depois de mais vinte anos dedicado à pratica deste desporto que te vai no sangue, com ganhos sentidos a nível do grupo e das equipas representadas, a minha pergunta joga no âmbito pessoal. No diálogo interior entre a Judite Mulher e Judite Atleta, o que é que uma diz à outra, tendo em conta um todo chamado Andebol?

Judite Paris: Andebol deu-me muitas amizades e fez-me ganhar o sentido de espirito de grupo. Para mim, foi uma forma saudável de inclusão. O andebol é um desporto muito viril, com muito contacto físico. No andebol trabalha-se o corpo inteiro, é um dos desportos mais completos que conheço. Gostei da técnica e tática deste desporto para pessoas inteligentes (risadas). Deu-me tudo, foi a minha escola de vida.



Corsa Fortes: Em termos de vitórias e desafios dedicados ao andebol, deves ter muitos momentos marcantes. Fala-nos sobre um desses momentos em que o peito se enche da sua justa dose de orgulho merecido?

Judite Paris: Do que me vem à memoria, foi um campeonato na Madeira. Eu comecei a jogar na Cova da Piedade. Passei por Almada, Ginásio do Sul, Benfica e depois fui para a Madeira. Esse campeonato, na Madeira, marcou-me. Foi num Final Four. No primeiro jogo empatamos, no segundo e no terceiro voltamos a empatar, fomos a prolongamento e tivemos um novo empate (a Diva atleta suspira e esboça um leve sorriso, como se revivesse o momento). Depois tudo foi resolvido nos livres de 7 metros, foi assim que ganhamos esse campeonato. Foi muito sofrido, mas com gosto acrescido.


Corsa Fortes: O futebol, pela quantidade de adeptos movimentados, é, sem dúvida, o grande desporto de massas. Na tua opinião, o que é que as outras práticas desportivas (também inteligentes), como o Andebol, podem fazer para serem sentidas como desporto cada vez mais próximo das populações?



Judite Paris: O futebol pode ser visto como uma grande empresa que gere muitos milhões. Mas neste momento, motivada por uma mudança de mentalidade desportiva, tem havido uma significativa evolução em relação aos outros desportos. Na verdade, existe um problema de base, ou seja, de educação. O desporto está cada vez mais inserido no currículo escolar, o que, de certa forma, permite, desde muito cedo, maior motivação e uma melhor captação de possíveis atletas. Eu acho que é necessário dar mais importância ao desporto em si, desde a mais tenra idade. Tem muito a ver com a mentalidade desportiva no geral.

Corsa Fortes: Continuas ligada ao andebol?

Judite Paris: Sim, trabalho na federação de andebol, envolvendo tanto o masculino como o feminino, de todos os escalões (dos mais jovens aos mais velhos), e o alto rendimento. A grande mais valia, é que eu faço o que gosto. Tenho o curso de treinadora, caso um dia queira envergar nesse sentido, mas por enquanto não penso nisso.



Corsa Fortes: No diálogo inerente à vontade cabo-verdiana mais abrangente, gostaria de saber o que é que uma desportista capacitada, como a Judite Paris, pode fazer para, de uma certa forma, ajudar o andebol de Cabo Verde?

Judite Paris: Neste momento não tenho uma ideia definida do que pode ser feito nesse sentido. Sei que existe cooperação entre treinadores dos dois países, sei que Cabo Verde tem desenvolvido muito a nível do andebol. Basicamente, neste momento não existe um projeto, mas é algo que no futuro vou equacionar com muito carinho.

Corsa Fortes: A vossa família respira andebol, começou com o teu irmão, teve essa grande caminha e elevação atleta contigo, e agora existe um sobrinho a seguir essas demandas. O que é que tens a dizer sobre isso?

Judite Paris: Neste momento é só o Jorge! O Jorge é empreendedor, é um jovem com ideias; veio numa nova época, acho que tem mais ideias do que eu. Se calhar ele seria uma mais valia para a seleção de Cabo Verde. Ele poderia ter dupla nacionalidade.

Corsa Fortes: No âmbito do dia da mulher cabo-verdiana, o que é que a crioula, Judite Paris, tem dizer, nesse sentido?

Judite Paris: Com esta pergunta, apanhaste-me desprevenida, Corsa! Acho que é uma questão de nós, mulheres, continuarmos a lutar pelo nosso lugar na sociedade sem nutrir sentimentos de inferioridade e nem deixar que isso aconteça, por sermos mulheres. Na realidade, não esquecer que é a mulher que decide muitas coisas.

Da Diva Judite, bebo orgulho a todos os níveis: orgulho da modéstia desta crioula da Margem Sul e orgulho do empenho de uma vida profissional dedicada ao desporto querido. Da minha parte, fico à espera, de um dia, ver a nossa treinadora à frente da seleção de Portugal, cujas corres representou enquanto jogadora, ou quiçá, do nosso querido Cabo Verde, terra que lhe bebeu o grito da primeira vitória, feito vida. Muito obrigado, Diva Judite Paris.

Corsa Fortes, 27 de Março de 2017